A integração entre ferrovias e portos é um dos pilares para transformar a logística brasileira. Essa foi a tônica do painel realizado durante o primeiro dia da NT Expo 2025, que reuniu Hélio Roberto Silva de Souza, diretor de outorgas ferroviárias do Ministério dos Transportes, e João Gomes, sócio-diretor da Valentim Engenharia.

Com o tema “Mais eficiência, menos custos”, o painel trouxe reflexões profundas sobre os entraves, oportunidades e modelos que podem tornar o Brasil mais competitivo no cenário global. “Porto sem ferrovia é como celular sem internet, não serve para absolutamente nada”, provocou Hélio, sintetizando a urgência do tema.

Entraves à integração: regulação, infraestrutura e planejamento

A discussão começou com uma análise crítica da malha ferroviária brasileira. João Gomes destacou que “a maioria dos portos brasileiros depende quase exclusivamente do modal rodoviário, o que gera gargalos logísticos e encarece o transporte”.

Hélio complementou com três grandes obstáculos à integração:

  1. Regulatório: A atuação isolada das agências reguladoras ANTT e ANTAQ dificulta a sinergia entre operadores ferroviários e portuários. “Temos casos em que a ferrovia é autorizada para uma empresa e o terminal portuário para outra, sem diálogo entre elas”, explicou.
  2. Infraestrutura: A ausência de obras estruturantes nos portos, como a Moega do Porto de Paranaguá, limita a capacidade de escoamento e a eficiência operacional.
  3. Planejamento público: A falta de um planejamento integrado entre concessões ferroviárias e portos compromete a eficiência logística. “Ferrovia sem porto é como celular sem internet”, reforçou Hélio.

Investimento privado como motor do desenvolvimento ferroviário

João defendeu o modelo de autorização ferroviária como essencial para atrair capital privado. “O orçamento da União está comprometido com saúde, educação e folha de pagamento. O investimento em infraestrutura precisa vir do setor privado”, afirmou.

Hélio apresentou o tripé estratégico do governo para fomentar o setor:

  • Captação de recursos via repactuações com concessionárias, como a MRS e a Vale, que podem gerar bilhões em investimentos.
  • Banco de projetos inspirado no modelo australiano, com diferentes níveis de maturidade, para garantir que haja projetos prontos para receber investimentos.
  • Portfólio normativo que traga previsibilidade jurídica e regulatória, essencial para atrair investidores.

Tecnologia e interoperabilidade: o futuro da eficiência logística

A interoperabilidade entre sistemas ferroviários foi apontada como um desafio técnico. “Cada concessionária tem um sistema embarcado diferente. Isso dificulta o tráfego mútuo e o direito de passagem”, explicou Hélio.

Ele também destacou o trabalho da ANTT para receber dados em tempo real dos CCOs das concessionárias, o que pode ser um hub de eficiência logística para os portos. “Se essas informações forem compartilhadas com os operadores portuários, podemos reduzir tempo de armazenagem e descarregamento”, disse.

João propôs um novo modelo de concessão, inspirado na Europa, em que a infraestrutura ferroviária seria separada da operação. “Se o operador não for dono da via, ele terá mais incentivo para torná-la eficiente e aberta à concorrência”, sugeriu.

Cases de sucesso: VLI e Vale mostram caminhos possíveis

Apesar dos desafios, o painel trouxe exemplos inspiradores:

  • VLI: Com terminais em portos secos e o TIPLAN em Santos, a empresa realiza uma operação integrada que reduz custos e aumenta a previsibilidade logística. “Essa integração agrega valor, reduz tempo de descarga e armazenagem, e melhora a competitividade do produto exportado”, afirmou Hélio.
  • Vale: A operação verticalizada da mineradora — mina, ferrovia e porto — garante eficiência e segurança no transporte de minério. “A Vale prefere manter a linha ociosa no retorno para evitar riscos que comprometam seus contratos internacionais”, explicou.

O desafio do retorno e a realidade brasileira

João destacou um problema estrutural: o retorno vazio das composições ferroviárias. “Exportamos soja, milho e minério, mas não há carga suficiente para o retorno. Isso encarece o transporte”, disse.

A solução, segundo os especialistas, passa por modelos logísticos adaptados à realidade brasileira, com foco em blocos de carga e planejamento regional. “O setor produtivo precisa se organizar para tornar o transporte ferroviário economicamente viável”, afirmou Hélio.

Futuro da integração: competição entre portos e novos corredores logísticos

A integração entre ferrovia e porto pode gerar competição saudável entre terminais, como exemplificou Hélio com a Estrada de Ferro 118, que conectará mais de 10 portos no Sudeste. “Isso permite que os portos disputem cargas, gerando eficiência e redução de custos”, explicou.

Outro exemplo é o Corredor FICO-FIOL, que permitirá escoamento por três portos diferentes com distâncias similares, aumentando a eficiência e reduzindo custos.

Participação pública e novos modelos regulatórios

Na fala final, Hélio reforçou que o governo precisa participar da construção da malha ferroviária. “As ferrovias estruturantes foram construídas com dinheiro público. Sem essa participação, não há como expandir a malha nacional”, disse.

João, por sua vez, defendeu a privatização das autoridades portuárias como forma de destravar investimentos e melhorar a gestão. “O setor público tem profissionais competentes, mas é engessado por regras e limitações orçamentárias”, afirmou.

O Brasil tem pressa de obras prontas

O painel encerrou com uma mensagem de urgência e esperança. “O Brasil tem pressa de obras prontas”, disse João, reforçando a importância da iniciativa privada e da modernização regulatória.

Hélio concluiu com uma reflexão: “Se queremos resultados diferentes, precisamos fazer coisas diferentes. E é isso que estamos tentando construir com o Plano Nacional de Ferrovias”.

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