A malha ferroviária brasileira, com mais de 30 mil quilômetros de extensão, é uma das espinhas dorsais da logística nacional. Diante dessa dimensão, a fiscalização ferroviária se torna um desafio que combina geografia, distância e risco.
Nesse contexto, os drones profissionais emergem como protagonistas da nova era da tecnologia ferroviária, atuando em inspeção remota e manutenção preditiva com eficiência e segurança inéditas.
De meros equipamentos recreativos, os sistemas aéreos não tripulados (UAS) se tornaram aliados estratégicos na manutenção, inspeção e segurança das ferrovias.
Graças aos avanços em sensores, IA e conectividade 5G, os drones estão transformando o modo como o Brasil monitora a infraestrutura ferroviária, trazendo mais precisão, menos custos e maior segurança para os profissionais.
Para aprofundar o tema, conversamos com Luís Guilherme Kolle, engenheiro eletricista e presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô. Leia mais sobre o tema abaixo!
O uso de drones na fiscalização ferroviária brasileira
Luís Guilherme Kolle explica que, até pouco tempo, a inspeção das linhas férreas dependia unicamente das equipes que percorriam longos trechos a pé ou de veículos de via (dresinas).
“Além do custo e do tempo, o método tradicional trazia riscos constantes a quem atuava em campo”, ressalta o entrevistado.
A virada, segundo ele, começou com a regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), por meio do RBAC-E nº 94, que abriu caminho para o uso profissional de drones em atividades industriais. De acordo com o especialista, desde então, as operadoras logísticas passaram a investir em inspeções aéreas automatizadas.
Os resultados deste trabalho impressionam. Kolle conta: “A Rumo reduziu em até 70% o tempo médio de varredura de trechos críticos. Os drones equipados com câmeras de alta resolução, sensores LiDAR e térmicos mapeiam pontes, túneis e trilhos com detalhes milimétricos”.
“As imagens, processadas por algoritmos de visão computacional e aprendizado de máquina, revelam trincas, falhas estruturais e até vegetação que ameaça a via”, acrescenta.
A tecnologia dos drones no aumento da segurança e da eficiência operacional das ferrovias
Se antes a inspeção era reativa (feita apenas quando algo parecia errado), agora ela é preditiva.
“Sensores embarcados identificam desalinhamentos de milímetros, desgaste de dormentes e deslocamento de lastros. Tudo conforme as normas do DNIT e da ABNT, que regulam desde a fotogrametria até a manutenção da via permanente”.
Conforme o especialista, os drones também ajudam na segurança elétrica e mecânica.
“Sensores térmicos detectam sobreaquecimento em motores e painéis antes que ocorram falhas graves. As informações são cruzadas automaticamente com sistemas de manutenção preditiva, que priorizam intervenções e reduzem o tempo de parada”, observa.
Na opinião de Kolle, os drones se tornaram parte do cotidiano da engenharia ferroviária. “Eles não apenas registram imagens, mas ajudam a prever o futuro da via”, diz.
A ferrovia digital e o poder dos dados
De acordo com o engenheiro, os dados coletados no voo não ficam apenas nas nuvens, eles vêm da nuvem. Integrados a sistemas de gestão de manutenção (CMMS) e plataformas GIS, alimentam painéis analíticos com indicadores em tempo real.
“Com a chegada do 5G, os drones podem transmitir vídeo e telemetria instantaneamente, permitindo operações simultâneas em grandes extensões. Isso abre espaço para um novo conceito: os corredores ferroviários inteligentes ou Smart Railways, já consolidados em países como Japão e Alemanha”, cita.
As aplicações, conforme Kolle, vão desde a geração automática de ortomosaicos e modelos 3D até o planejamento de rotas de inspeção totalmente autônomas.
Casos de sucesso: resultados que decolam
Estudos realizados pela Rumo Logística em 2023 mostram que o uso de drones com sensores LiDAR e câmeras térmicas reduziu em 60% o tempo de resposta a incidentes.
Entre as aplicações mais promissoras estão:
- Monitoramento elétrico e de sinalização: detecção precoce de falhas térmicas e curtos-circuitos;
- Gestão de terminais ferroviários: controle automatizado de manobras e fluxo de vagões;
- Inspeção ambiental: monitoramento de áreas de preservação conforme normas do Conama;
- Topografia de precisão: levantamentos para duplicação de linhas e novos ramais;
- Segurança patrimonial: identificação em tempo real de invasões e furtos em regiões isoladas.
“Os resultados têm sido tão expressivos que a adoção dos drones já é considerada uma tendência irreversível no setor”, comemora o especialista.
Perspectivas futuras e desafios para a adoção definitiva dos drones no setor ferroviário
Apesar dos avanços, nem tudo corre em linha reta. As limitações regulatórias, especialmente para voos além da linha de visada (BVLOS), ainda restringem operações em longos trechos.
“Em áreas remotas, a falta de conectividade 4G e 5G impede a transmissão em tempo real dos dados”, comenta Luís Kolle.
Outro gargalo é humano: o mercado carece de profissionais certificados para pilotar drones e analisar dados geoespaciais.
“Especialistas defendem uma atuação conjunta entre operadoras, órgãos reguladores e universidades para formar engenheiros e técnicos preparados para essa nova era ferroviária”, analisa.
Conforme Kolle, a próxima geração de drones ferroviários deverá ser ainda mais autônoma.
“Equipados com sistemas de navegação inteligente, detecção de obstáculos e IA generativa, eles serão capazes de voar sozinhos por rotas predefinidas, coletar e interpretar dados sem intervenção humana”, espera.
“Com o avanço do 5G e o uso de edge computing, será possível detectar e classificar anomalias em tempo real, reduzindo custos e aumentando a confiabilidade das operações.
No horizonte, a ferrovia digital brasileira se aproxima de um novo patamar, mais seguro, eficiente e conectado.