O last mile ferroviário é a etapa que conecta diretamente a ferrovia aos polos industriais e centros de distribuição, reduzindo ou eliminando trechos rodoviários de curta distância. 

Esse modelo, antes difícil de aplicar por limitações de infraestrutura, ganha espaço no Brasil com a expansão dos terminais intermodais. 

O avanço ocorre graças a investimentos privados, modernização de pátios e maior coordenação operacional. 

Para entender esse movimento, conversamos com Lucas Evaristo, engenheiro civil e consultor ferroviário com atuação no Brasil e no exterior, professor de cursos de Engenharia e Logística da Uniasselvi e embaixador da NT Expo 2025.

Ele explicou como os terminais intermodais se consolidam como peças-chave para viabilizar o last mile ferroviário e impulsionar novos padrões de eficiência logística. Confira abaixo mais do que ele nos disse e fique por dentro do assunto!

Estruturas que funcionam como “pulmões” logísticos

Segundo Evaristo, os terminais intermodais funcionam como áreas de apoio que ampliam a capacidade operacional da cadeia. 

“Eles acabam servindo como um ponto de apoio logístico essencial, pois além de funcionar como um ‘pulmão’, conseguem proporcionar o last mile fazendo a integração entre ferrovia e rodovia”, afirma o especialista.

O embaixador da NT Expo afirma ainda que os terminais intermodais são espaços capazes de levar a carga às “portas do cliente final”. Isso porque atuam reduzindo transbordos e reorganizando fluxos que antes dependiam quase exclusivamente do transporte rodoviário.

Tal interligação amplia a eficiência logística ao aproximar trilhos de parques fabris e centros de armazenagem. 

Setores que lideram a adoção

Evaristo destaca que a siderurgia e a carga geral estão entre os segmentos mais beneficiados. 

Nas palavras do consultor: “Essas cargas são transportadas em contêineres e blocos únicos, que podem ser transferidos automaticamente para os caminhões em processos padronizados.” 

No entanto, ele lembra que a personalização permite atender outros setores, basta que o terminal tenha infraestrutura compatível com diferentes tipos de carga e equipamentos interoperáveis.

Esse modelo reforça a integração logística ao reduzir manobras internas e consolidar fluxos contínuos entre trilhos e rotas de curta distância.

Exemplo prático: a rota Ortigueira–Paranaguá

Um dos casos mais emblemáticos de conexão entre terminal e porto está no Paraná.  Evaristo cita o Porto de Paranaguá como referência em integração logística. Lá, a chegada de cargas por ferrovia, especialmente celulose, acontece com um mínimo de transbordos. 

“A produção que chega por trilhos é direcionada diretamente aos navios. É uma conexão terminal-terminal”, pontua o professor.

A iniciativa em questão gera um impacto significativo no transporte rodoviário. Evaristo conta que: “É estimado que cerca de 12.232 caminhões deixaram de trafegar no primeiro semestre de 2025 porque a ferrovia assumiu parte da carga no trajeto Ortigueira-Paranaguá.” 

Esse é um exemplo claro de como os terminais intermodais reduzem etapas intermediárias e reforçam a eficiência logística.

Last mile: eficiência que se traduz em números

A retirada de dezenas de caminhões do sistema a cada trem é um dos indicadores mais usados para demonstrar os ganhos do transporte intermodal

Para Evaristo, os benefícios são evidentes: “A integração logística tem permitido retirar de 50 a 70 caminhões por trem, reduzindo gargalos e filas.”

Ele explica que o last mile ferroviário diminui o tempo de ciclo, aumenta a fluidez nas operações de carga e descarga, reduz o custo por tonelada e otimiza o uso de pátios. 

Com menos movimentações internas, a operação se torna mais previsível e competitiva — fatores decisivos em ambientes industriais com alta demanda e baixos níveis de tolerância a atrasos.

Menos caminhões, mais previsibilidade

Ao comentar o impacto direto sobre a malha rodoviária, Evaristo lembra que um trem padrão pode substituir de 80 a 120 caminhões, dependendo do modelo. 

Isso reduz acidentes, melhora a qualidade de vida dos motoristas, diminui o desgaste da infraestrutura e ajuda a reduzir custos logísticos. 

“Cada caminhão removido das rodovias significa menos acidentes, mais qualidade de vida e mais eficiência”, resume o embaixador da NT Expo. 

Esses efeitos reforçam o papel da ferrovia na distribuição industrial, especialmente em polos produtivos que buscam estabilidade no fluxo de abastecimento.

Conexão trilhos-indústria: padronização ainda é desafio

Para que a operação flua, é preciso compatibilidade. “É fundamental que os modais se padronizem em equipamentos, processos e sistemas, pois isso viabiliza a intermodalidade em termos de tempo, custo e compatibilidade”, diz Evaristo.

Essa padronização é parte da base que sustenta a expansão dos terminais intermodais, evitando gargalos e garantindo previsibilidade.

Desafios: infraestrutura e coordenação sob pressão do tempo

A baixa abrangência de linhas férreas é um dos entraves mais citados pelos especialistas. 

Evaristo reforça essa percepção: “Hoje, o grande problema é a baixa abrangência do modal ferroviário. Quando há disponibilidade, o empresário opta pelo transporte sobre trilhos. Na ausência dessa abrangência, resta o transporte rodoviário.”

Os desafios passam por licenciamento, acessos e disponibilidade de áreas adequadas para instalação de novos terminais, especialmente perto de polos industriais.

A integração exige sincronia. Evaristo explica que o tempo é o elemento mais sensível: “Cada segundo perdido no terminal representa custos operacionais.” 

A lógica Just in Time orienta a operação para evitar desperdícios, sobretudo em materiais a granel, que não têm embalagem e estão mais expostos a perdas.

Interior ganhando força com novos polos

Nos últimos anos, regiões como Sinop, Lucas do Rio Verde e Anápolis têm recebido terminais de porte significativo. Evaristo chama atenção para um ponto técnico importante: em Anápolis, ocorre uma quebra de bitola, onde a métrica e a larga se encontram. 

Conforme o especialista: “Quando há diferença de bitola, há duas opções: jogar para o caminhão ou transbordar para os trens da outra bitola. A isso chamamos de pátio de integração ferroviária.”

Esse fator atrai investimentos privados e ajuda a consolidar polos logísticos regionais, reforçando a rede de transporte intermodal.

Tecnologia como força motriz

A automação avança como solução para aumentar a eficiência logística. “Os pátios têm investido em automação, especialmente nos terminais de carga, descarga e transbordo”, aponta o consultor. 

A escassez de mão de obra qualificada torna a tecnologia uma aliada. Ele lembra que a automação não elimina empregos, mas transforma o modo de trabalhar. 

“A tecnologia funciona como uma válvula de escape para a falta de profissionais”, sintetiza Evaristo. 

Expansão inevitável

Com a pressão por eficiência logística, redução de custos e menor dependência das rodovias, o last mile ferroviário desponta como rota de expansão natural. 

Terminais intermodais tornam essa ligação possível, oferecendo integração logística mais sólida entre trilhos e indústria, e pavimentando o caminho para uma infraestrutura ferroviária mais abrangente, competitiva e moderna no Brasil.