A Ferrovia Norte–Sul (FNS) tem sido vista como o eixo capaz de reequilibrar o escoamento de commodities no Brasil. Entre promessas de eficiência e limites que ainda desafiam o setor, o corredor se posiciona como uma rota estratégica para o transporte de grãos, minérios e outras cargas que dependem de infraestrutura logística mais integrada.
Conversamos com José Manoel Ferreira Gonçalves, fundador e presidente da ONG FerroFrente, que há mais de uma década defende o transporte ferroviário como vetor socioambiental e econômico do desenvolvimento brasileiro.
Ele nos trouxe mais informações sobre a atual situação e os impactos da rota Norte-Sul. Acompanhe mais a seguir!
O papel da Ferrovia Norte-Sul no escoamento de commodities
Embora seja tratada como a espinha dorsal da logística ferroviária brasileira, Gonçalves pondera que a Ferrovia Norte-Sul ainda não redesenha os fluxos de escoamento na escala originalmente projetada.
“O potencial existe, mas os efeitos são parciais”, afirma. Segundo ele, trechos como Açailândia–Porto Nacional tendem a atrair mais cargas agrícolas e minerais, criando alternativas ao Porto do Itaqui e reduzindo pressões sobre rodovias saturadas. Ainda assim, “isso não vai acontecer no curtíssimo prazo”, afirma o especialista.
Mesmo com limitações, produtores e mineradoras começam a registrar reduções de custos e ganhos de previsibilidade. Esses avanços, porém, dependem de investimentos constantes. “Nada disso substitui a necessidade de ampliar capacidade, eliminar gargalos e coordenar melhor a operação ao longo do corredor”, reforça Gonçalves.
Trechos estratégicos e a força dos corredores logísticos
Os trechos mais dinâmicos da ferrovia estão no tramo Norte, em que o acesso direto ao Itaqui e ao Arco Norte garante boa parte do impacto imediato sobre o escoamento de commodities.
A integração com a malha paulista também é determinante para conectar cargas ao Porto de Santos e ao Sudeste. Gonçalves alerta, porém, que essa concentração cria vulnerabilidades: “Depender de poucos nós aumenta o risco de interrupções que comprometem o corredor inteiro”.
Para que os corredores logísticos sejam mais resilientes, ele defende reforço estrutural nos pontos de entroncamento e uma gestão mais uniforme entre operadores.
Intermodalidade e avanços na infraestrutura logística
A interligação da FNS com terminais intermodais — pátios ferroviários, silos e estruturas de transbordo — tem papel direto na eficiência da operação. Quando há alinhamento entre infraestrutura e processos operacionais, o impacto se traduz em menor circulação de caminhões, mais velocidade e redução de gargalos.
“Em alguns trechos, o ganho em vazão e tempo médio é concreto”, diz Gonçalves. Mas o desempenho ainda apresenta forte variabilidade.
Os principais limites estão nos acessos portuários, na capacidade de pátios e berços e na falta de padronização dos processos. Sem isso, afirma, “o efeito intermodal fica aquém do potencial”.

Indicadores de eficiência e a busca por competitividade logística
A logística ferroviária apresenta sinais de avanço: há produtividade maior por trem e terminal e custos menores por tonelada em períodos de operação contínua.
Esses recordes, no entanto, não se distribuem pela rota inteira. “Os resultados ainda dependem de circunstâncias favoráveis e de trechos específicos”, explica o presidente da FerroFrente.
Para transformar a ferrovia em uma alavanca permanente de competitividade logística, será necessário ampliar a infraestrutura crítica, integrar pátios e garantir estabilidade operacional. “Sem continuidade e previsibilidade, os ganhos não se sustentam”, afirma.
Redução da dependência rodoviária no transporte de grãos e minérios
Quando a rota funciona de ponta a ponta, soja, milho e minério migram naturalmente para os trilhos.
A economia de escala do transporte ferroviário de minérios e grãos é clara, mas depende de pátios equipados, contratos estáveis e garantia de fluxo. “O caminhão só volta a ser protagonista por necessidade, não por eficiência”, observa Gonçalves.
Em vários fluxos do Arco Norte, essa transição já está em curso, embora ainda limitada por gargalos operacionais.

Efeitos regionais, investimentos, concessões e desafios
A presença da FNS começa a reorganizar a economia de cidades próximas aos trilhos. Novos polos logísticos, investimentos em armazenamento e serviços estão ganhando forma, especialmente no Tocantins e no Maranhão. Mas a distribuição é desigual.
“A ferrovia pode induzir desenvolvimento regional, desde que acompanhada de políticas de ordenamento territorial e infraestrutura urbana”, analisa Gonçalves. Sem isso, há risco de criar enclaves logísticos isolados da dinâmica local.
Gonçalves reconhece avanços trazidos pelas concessões e pela atuação das operadoras privadas, mas diz que o ritmo ainda depende de coordenação fina entre Estado e iniciativa privada.
As interfaces entre malhas diferentes geram janelas improdutivas, enquanto gargalos portuários e limitações de capacidade reduzem o impacto dos grandes investimentos já realizados. “Sem regulação mais integrada e decisões ágeis, parte da capacidade continuará subutilizada.”
A interligação com outras ferrovias e o redesenho do mapa logístico
A futura conexão com Carajás, EF-118, Malha Paulista e Ferrogrão pode ampliar alternativas, diversificar rotas e reduzir riscos operacionais.
A interoperabilidade técnica e a fluidez contratual entre malhas, porém, são exigências ainda distantes da realidade. “Sem isso, múltiplos caminhos viram apenas desenho teórico, sem impacto real sobre custos e resiliência”, resume o especialista.
Gargalos e perspectivas futuras
Os principais entraves passam por acessos portuários insuficientes, falta de pátios e berços, incompatibilidade de bitolas, licenciamento lento e oferta limitada de vagões e locomotivas.
Nas palavras de Gonçalves: “É preciso resolver esses pontos para que o sistema não seja robusto no papel, mas travado na prática.”
No médio prazo, a FNS deve consolidar o Arco Norte como rota alternativa ao Sudeste. No longo prazo, pode ser um dos pilares para diversificar corredores exportadores e ampliar a inserção do Brasil em novos mercados. Isso exige integração operacional, expansão de capacidade e governança consistente.
“O potencial existe, mas só se materializa com execução disciplinada e coordenação institucional”, afirma Gonçalves.
A Ferrovia Norte-Sul está longe de atingir seu teto, mas avança como rota estratégica para o escoamento de commodities, fortalecendo a matriz ferroviária e reposicionando o país na disputa global por eficiência logística.
O mapa logístico brasileiro está mudando, ainda de forma gradual, e os trilhos seguem apontando para uma nova geografia de competitividade.